Contraste
Vivemos nossa vida num contraste,
Que não vivermos bem melhor nos fôra,
Se vejo em ti a imagem sedutora,
Em mim tu vês o amor que desprezaste.
Desde a primeira vez que me fitaste,
Ao contemplar-te, o amor meu rosto cora;
Ao ver-me, o desdém teu rosto descora,
Desde a primeira vez que me encontraste!
Se vivo desejoso de te amar,
Tu vives desejosa de esquecer...
Se me aproximo está a te afastar,
E, já que este é dos fados o querer,
Eu sempre hei-de de ver — nunca te olhar!
Hás sempre de olhar — nunca me ver!
Súplica
Ó almas virgens, puras, que habbitais
O mundo, ainda sem mácula de dor;
Ó almas cândidas, a quem o amor
Os vossos corações não crivou de ais;
Ó almas virgens, puras, que inda estais
No céu da virgindade, com fulgor,
A cintilar, e que inda com fervor
A vossa fé ao amor depositais:
Tomai cuidado em toda a vossa vida
Contra os males que pode Amor causar!
Sabei vossas eleitas escolher.
Pois tereis, do contrário, uma dorida
Existência, e havereis de só penar
— E qual minha alma em vida só sofrer!
Sentimento
Sinto em minha alma a dor de que viveu
Uma existência tola e mal vivida;
De quem passou sozinho pela vida,
De quem a ti, Amor, não conheceu!
Sinto em minha alma a dor de quem perdeu
Toda a Felicidade pretendida;
De quem procura a imagem tão querida
— E a desventura encontra por labéu!
Sinto em minha alma a dor de quem espera
O amor que outrora alguém lhe prometera,
E lho jurara — em falso juramento!
Sinto em minha alma a angústia do infeliz
Que um dia a amada conheceu, feliz,
E dela teve a dor do esquecimento.
Consumatum
Quebremos nossa jura, mal não faz!
O teu destino segue, companheira,
Que eu saberei viver a vida inteira
E desprezar o teu amor falaz!
Eu saberei viver sozinho, em paz,
Suportando da vida traiçoeira
O rude golpe. Embora amar-te queira,
Adeus te digo, fronte erguida, audaz!
Por outro espera, e engana-o, se quiseres:
Quando o amor é sincero e verdadeiro
Não se esmola nem se ama por favor!
Voltarei, mas só quando compreenderes
Que se é triste esmolar o vil dinheiro,
É vergonhoso se esmolar Amor!
Soneto sem Verbos
Imenso o mar, e audaz o navegante:
As ondas, ora calmas, ora irosas,
E o marinheiro sempre confiante
— Senhor do mar, das águas revoltosas...
Em calmaria, em tempestade, avante
O frágil barco, e, alheio às tormentosas
Vagas, o nauta heroico, assaz pujante
Nas lutas contra o mar, vitoriosas...
E o nauta aventureiro e destemido
Empós de um horizonte não vencido...
E esse horizonte, aqui, ora além mais,
Inatingível pelo ser humano!
Uma nuvem talvez do desengano,
Nimbo talvez dos nossos próprios ais!